PIS, COFINS, ICMS, ISS e boa parte do IPI têm data para acabar. No lugar deles entram três tributos principais sobre o consumo: CBS, IBS e Imposto Seletivo, definidos pela Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentados pela Lei Complementar 214/2025.
Isso não é “mais um remendo” no sistema. É uma troca de modelo: muda a forma de calcular imposto, o momento em que o dinheiro sai do caixa e a maneira como sua empresa se relaciona com clientes e fornecedores. A transição começa em 2026 e vai até 2033.
Este texto inaugura a série do Empreenda SC sobre a reforma tributária. A ideia é simples: explicar sem juridiquês o que está mudando e por que isso importa para a gestão de qualquer empresa, de micro a grande porte, em Santa Catarina ou em outros estados.
Metaforicamente, é um guia de sobrevivência: primeiro você entende o mapa. Nos próximos episódios, vamos descer para os pontos críticos (caixa, Simples, serviços, indústria, agro, sucessão, tecnologia).
1. O que foi aprovado, em termos que cabem na mesa do dono
A reforma do consumo fez três movimentos principais:
- Criou dois tributos “irmãos” sobre quase tudo o que é vendido
- CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
- Tributo federal, da União.
- Tributo compartilhado entre estados e municípios, com gestão nacional por um Comitê Gestor
- CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
- Instituiu o Imposto Seletivo (IS)
- Um imposto extra para desestimular consumo de certos produtos, como:
- cigarros e outros produtos fumígenos;
- bebidas alcoólicas e açucaradas;
- veículos específicos;
- extração de alguns minerais (como minério de ferro e petróleo).
A lógica não é arrecadar mais apenas: é desincentivar ou encarecer o consumo desses itens.
- Um imposto extra para desestimular consumo de certos produtos, como:
- Determinou a substituição gradual de cinco tributos atuais
Ao longo da transição, deixam de existir:- PISCOFINSICMSISSIPI (para a maioria dos produtos)
2. O que muda na vida de quem tem empresa
Para o empresário, sigla é detalhe. O que interessa é:
- Quanto imposto vou pagar?
- Quando esse dinheiro sai do meu caixa?
- Como isso mexe no preço, na margem e na relação com meus clientes e fornecedores?
A reforma responde a isso com três grandes mudanças de lógica.
2.1. Muda quem cobra o quê (e como)
Hoje, temos um cenário fragmentado:
- PIS/COFINS (federais) sobre faturamento;
- ICMS (estadual) sobre mercadorias e alguns serviços;
- ISS (municipal) sobre serviços;
- IPI sobre produtos industrializados.
Cada um com regra própria, cumulando em muitos pontos, gerando guerra fiscal entre estados e briga eterna “é serviço ou mercadoria?”.
Com a reforma:
- CBS substitui PIS/COFINS e, na prática, absorve quase todas as funções do IPI.
- IBS substitui ICMS e ISS.
- As regras de CBS e IBS são harmonizadas em lei complementar nacional, reduzindo o espaço para 27 legislações de ICMS e milhares de leis de ISS diferentes.
2.2. Muda a forma de cobrar: de “cascata” para “crédito amplo”
Hoje, muitos tributos sobre consumo funcionam parcialmente em “cascata”:
- Em cada etapa da cadeia, você paga imposto sobre uma base que já embute impostos anteriores.
- Nem tudo que você compra gera crédito.
O novo modelo adota a chamada não cumulatividade plena:
- Tudo o que você paga de IBS/CBS em compras ligadas à atividade gera crédito para abater do imposto devido nas vendas, salvo exceções específicas.
- Isso vale não só para matéria-prima, mas também para:
- energia;
- serviços contratados;
- aluguéis;
- ativos (máquinas, equipamentos), entre outros.
Na prática, para indústria e negócios com muitos insumos, a tendência é reduzir o “resíduo tributário” embutido no preço final, tornando o produto nacional mais competitivo.
2.3. Muda o “endereço” da arrecadação: nasce o princípio do destino
Hoje, boa parte do imposto fica com o estado onde está a fábrica ou o centro de distribuição, não com o estado onde mora o consumidor final. Isso incentivou movimentações puramente fiscais (instalar operação em estado X só por causa do benefício de ICMS).
Com a reforma, CBS e IBS seguem majoritariamente o princípio do destino:
- O imposto pertence ao local onde o bem é consumido ou o serviço é utilizado.
Para empresas em Santa Catarina, isso significa:
- Abrir filial ou CD em outro estado só por conta de benefício de ICMS tende a ficar menos relevante.
- A decisão de onde localizar fábrica, estoque e operação volta a ser puxada por:
- logística,
- mão de obra,
- proximidade de mercado,
- infraestrutura (portos, rodovias, conexões).
3. O novo trio: CBS, IBS e Imposto Seletivo
3.1. CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços
- Quem cobra? União.
- Sobre o quê? Operações onerosas com bens e serviços em todo o território nacional.
- Para financiar o quê? Seguridade social (saúde, previdência, assistência).
Pontos-chave para a gestão:
- Vai substituir PIS/COFINS a partir da virada da transição.
- Terá alíquota padrão única, com exceções (reduções, isenções) previstas em lei para alguns setores, como alimentos da cesta básica e serviços essenciais.
- O crédito é financeiro e amplo: tudo que compõe custo ou despesa da atividade tende a gerar crédito.
3.2. IBS – Imposto sobre Bens e Serviços
- Quem cobra? Estados e municípios, de forma compartilhada, por meio de um Comitê Gestor nacional.
- Sobre o quê? As mesmas operações que a CBS (bens e serviços), seguindo a mesma base.
- Para financiar o quê? Estados e municípios (em substituição a ICMS e ISS).
Pontos-chave:
- Em vez de 27 legislações de ICMS e milhares de regras de ISS, você passa a ter uma estrutura nacional, com partilha de receita entre os entes.
- Isso reduz:
- custo de acompanhar legislação em vários estados,
- risco de autuações por interpretações divergentes,
- espaço para guerra fiscal clássica.
3.3. Imposto Seletivo (IS)
- Quem cobra? União.
- Sobre o quê? Lista restrita de produtos/atividades considerados nocivos ou poluentes (cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, alguns veículos, mineração etc.).
- Objetivo principal: desestimular o consumo, não ser uma fonte principal de receita.
Pontos-chave:
- É um imposto monofásico: cobrado em um ponto da cadeia (produção ou importação), mas influencia o preço até o consumidor final.
- Em alguns casos, o valor do Imposto Seletivo entra na base de cálculo de outros tributos, gerando efeito de “imposto sobre imposto”.
4. E quanto vai ser a alíquota desse novo IVA?
Ainda que os números finais dependam de lei e calibragem, o governo vem trabalhando com a projeção de uma alíquota padrão na casa de 26,5% a 28%, somando CBS + IBS.
O compromisso oficial é tentar manter a carga global neutra (ou seja, sem aumentar a arrecadação total). Na prática, porém, isso significa:
- Alguns setores vão pagar menos do que hoje.
- Outros vão pagar mais.
- A conta fecha na média do país, não na realidade de cada CNPJ.
A diferença estará:
- na estrutura de custos do seu negócio (quanto você consegue transformar em crédito),
- no perfil do seu cliente (se ele toma crédito ou não),
- e nos regimes específicos aplicáveis (reduções de alíquota, regimes favorecidos, exportações, cesta básica etc.).
5. Calendário em duas linhas (os detalhes virão no episódio 2)
A implantação do novo sistema é gradual. Em resumo:
- 2026 – Ano de testes: empresas passam a destacar IBS e CBS nas notas, em regra sem recolher esses tributos, para o Fisco testar sistemas e dados.
- 2027 em diante – Começa a substituição efetiva de PIS/COFINS por CBS e, depois, ICMS/ISS por IBS, até a consolidação em 2033.
No próximo episódio da série vamos destrinchar ano a ano o que muda para que você consiga fazer planejamento sem surpresas.
6. O que isso significa para empresas em Santa Catarina
Santa Catarina tem uma combinação típica de economia real:
- Indústria forte (têxtil, metal-mecânica, plástico, autopeças, alimentos, móveis);
- Varejo e serviços dinâmicos em cidades-polo (Florianópolis, Joinville, Blumenau, Chapecó);
- Agroindústria e exportação com uso intenso dos portos (Itajaí, Navegantes, São Francisco do Sul).
Nesse cenário, a nova matriz fiscal tende a:
- Favorecer negócios com muita cadeia produtiva formalizada (indústria e agroindústria com muitos insumos que geram crédito).
- Pressionar serviços intensivos em mão de obra, que têm pouca despesa creditável.
- Redesenhar vantagens regionais: incentivos de ICMS isolados perdem força; logística, cluster industrial e capital humano ganham peso.
Mais do que “entender lei”, a empresa catarinense vai precisar:
- olhar para dentro (custos, margem, sistemas, contratos),
- e para fora (quem são meus clientes e fornecedores no novo jogo de créditos).
A reforma não é assunto só do contador. É um tema estratégico de sobrevivência e competitividade da empresa.
Entender a base agora é o passo zero para não ser surpreendido pelo calendário que começa em 2026.